1. Tipos de pronunciamentos do Magistério da Igreja
a) Magistério solene e comum
b) Magistério positivo e negativo
2. Formas de pronunciamento do Magistério da Igreja
a) Cartas
b) Bulas
c) Breves pontifícios
d) Constituições apostólicas
e) Motu proprio
f) Encíclicas
Entre os pronunciamentos da função magisterial da Igreja podemos distinguir as suas categorias ou tipos básicos, bem como as formas muito diversificadas de apresentar a doutrina, chamadas aqui de formas de pronunciamento do magistério da Igreja.
1. TIPOS DE PRONUNCIAMENTOS DO MAGISTÉRIO DA IGREJA
A função magisterial da Igreja toma a palavra de forma solene ou comum, e positiva ou negativa.
A. MAGISTÉRIO SOLENE E COMUM
O termo “função magisterial da Igreja comum” ou mais resumi-damente “doutrina comum da Igreja” (magisterium ordinarium) surgiu pela primeira vez na carta de Pio IX Tuas libenter de 21 de dezembro de 1963 ao arcebispo de Munique. O papa mencionou então a “doutrina comum de toda a Igreja no mundo” – ordinario totius Ecclesiae per orbem dispersae magisterio (DS (1963) 2879). Do magistério solene e comum – sive solemni iuditio sive ordinario et universali magisterio (DS (1792) 3011) – fala igualmente o Concílio Vaticano I. A análise das atas do concílio demonstra que os padres não possuíam um conceito claramente definido de um e outro tipo de magistério. Muitas vezes atribuíam o termo magisterium ordinarium à doutrina do papa. Desde os tempos de A. Vacant1, o termo magisterium ordinarium passou a ser cada vez mais utilizado para assinalar todos os pronunciamentos não solenes do papa. Para a difusão do nome magisterium ordinarium contribuiu significa-tivamente Pio XII (cf. enc. Humani generis).
Por “magistério comum da Igreja dispersa pelo mundo” deve entender-se a anunciação dos bispos que permanecem em união com o papa. Quanto a isso existe a concordância unânime dos teólogos. Parece que no magistério comum da Igreja dispersa pelo mundo deve ser incluído também o clero inferior e os leigos que pela missão canônica participam da função episcopal de ensinar.
Faz parte do magistério comum quase toda a doutrina do papa (e das instituições que o apóiam por mandato seu) na área da fé e dos costumes. Constituem exceção os casos extremamente raros de doutrina “ex cathedra”.
Do magistério solene fazem parte: a doutrina do papa “ex cathedra” e a doutrina dos concílios.
Magistério da Igreja:
– comum: – da Igreja dispersa pelo mundo
– do papa não ex cathedra
– solene: – dos concílios
– do papa “ex cathedra”
No esquema acima é difícil situar os sínodos que abordam a problemática da fé e dos costumes. Parece que seria necessário adotar para eles algum estatuto especial, intermediário entre o ensinamento solene e o comum. Eles constituem uma espécie de forma solene de ensinamento da Igreja local.
Encontramos pela primeira vez a definição ex cathedra nos escritos de Melquior Cano (+1560). Foi aceita pelo Concílio Vaticano I na constituição que dogmatizava a doutrina da infalibilidade do papa e esclareceu-a da seguinte forma: o papa ensina ex cathedra quando: 1. apresenta-se como aquele que cumpre as funções de pastor de todos os cristãos, 2. faz isso com a sua autoridade máxima, 3. ensinando a fé e os costumes e 4. de forma que obriga a Igreja toda. [DS (1839) 3074; BF II, 61]2. Quando não se realiza uma dessas quatro condições, o ensinamento do papa não pode ser reconhecido como “ex cathedra”.
B. MAGISTÉRIO POSITIVO E NEGATIVO
Essa distinção leva em conta a maneira de apresentar a doutrina. O magistério da Igreja muitas vezes apresenta a doutrina em pronunciamentos positivos, e algumas vezes contenta-se em assumir uma atitude negativa em relação a certas opiniões, doutrinas ou acontecimentos. Outras vezes ainda junta esses dois tipos de pronunciamento.
Um exemplo de apresentação exclusivamente positiva da doutrina podem ser os documentos do Concílio Vaticano II; de exclusivamente negativa – a bula Exsurge Domine de 15 de janeiro de 1520, condenando as 41 teses de Martinho Lutero; de positiva e negativa ao mesmo tempo – os documentos do Concílio de Trento, nos quais, após a exposição positiva (decretos), seguem-se as condenações de opiniões contrárias à doutrina do concílio (cânones encerrados com as palavras “que seja excluído da comunidade dos fiéis” – anathema sit, escritas às vezes de forma abreviada: AS).
Dois exemplos de pronunciamentos do magistério negativo:
“Se alguém afirma que os mandamentos de Deus, mesmo para a pessoa justificada e que se encontra na graça, são impossíveis de observar – seja excluído” (Concílio de Trento).
“Se alguém afirma que nada existe além da matéria – seja excluído” (condenação do materialismo pelo Concílio Vaticano I).
As opiniões qualificadas com a fórmula anathema sit (seja excluído) eram consideradas até há pouco tempo como heresia. Atualmente somos mais cuidadosos, pois algumas vezes a Igreja excluía alguém da sua comunidade não em razão de heresia, mas por outras razões, por exemplo por falta de subordinação.
Nos primeiros séculos do cristianismo entendia-se por “heresia” (airesis) uma tendência sócio-religiosa ou seita. Nesse sentido os judeus chamavam o cristianismo de “heresia”, e a Sagrada Escritura fala da heresia ou seita dos saduceus (At 5, 17) e dos fariseus (At 15, 5; 26, 5). Os Evangelhos não utilizam o termo “heresia”. S. Pedro utiliza-se dele para assinalar um grupo de cristãos que anuncia uma doutrina errônea (2P 2, 1). Nesse sentido escrevem sobre as heresias: S. Irineu (+202) em Adversus haereses, Tertuliano (+c. 220) em De praescriptione haereticorum, S. Epifânio (+403) em Adversus haereses Panarium, S. Agostinho (+430) em De haeresibus ou Teodoreto (+c. 466) em Haereticarum fabularum compendium. Eles contrapõem a heresia à regra da fé que é constituída pela doutrina de Jesus Cristo, contida na pregação dos apóstolos e depositada na Igreja romana.
A proposição herética encerra uma parte de verdade, e é perigosa para a fé porque apresenta essa parcela de verdade como a verdade toda. Por exemplo é verdade que Cristo é Deus e homem, mas é heresia afirmar que Cristo é apenas Deus ou apenas homem. Portanto a heresia é a seleção de fragmentos e a sua nobilitação ao posto de plenitude. O pe. Vicente Granat gostava de repetir: Diabolus – fabricator fragmentorum.
Distingue-se a heresia material da formal. A primeira é um erro na fé não consciente e não intencional; a segunda é a escolha consciente do erro na fé e a teimosa persistência nele.
Fala-se também de heresia objetiva e subjetiva. A heresia objetiva é a proposição ou a doutrina que proclama um erro na fé; a heresia subjetiva é um ato da mente que contém um erro na fé.
A Igreja, sendo a guardiã do depósito de Cristo, considerou e considera que em alguns casos tem a obrigação de interferir e chamar claramente os erros pelos seus nomes, para salvaguardar a pureza da fé. No entanto a história fornece muitos exemplos de enganos do magistério na avaliação de alguma doutrina como herética; registra também exemplos de cooperação do magistério com o poder político na aplicação da pena máxima a pessoas reconhecidas como hereges. Ao aprovar tal procedimento das autoridades civis e ao participar na sua reação à heresia (algumas vezes heresia apenas suposta), a Igreja não atingiu ainda um elevado grau de sensibilização ao preço da liberdade do homem e da liberdade religiosa; não soube também estabelecer o limite apropriado entre a fé e a política. A Declaração do Concílio Vaticano II sobre a liberdade religiosa significa um passo decisivo da Igreja nessa direção.
Atualmente o magistério da Igreja evita tachar alguma doutrina de “heresia” ou de outras definições semelhantes. O Concílio Vaticano não utilizou uma vez sequer a palavra “heresia”. Preferiu ensinar a verdade de forma positiva. Nos séculos passados eram utilizadas diversas definições que avaliavam de forma negativa as afirmações expressas no âmbito da fé e dos costumes. Essas avaliações negativas eram chamadas de censuras. Trata-se de julgamentos a respeito da contradição, erro ou incompatibilidade com a ortodoxia, ou ainda prejuízo às opiniões religiosas e morais.
2. FORMAS DE PRONUNCIAMENTO DA FUNÇÃO MAGISTERIAL DA IGREJA
A função magisterial da Igreja não está tolhida por determinadas formas literárias ou formais no desempenho da sua missão de ensinar. Tanto o papa como os bispos podem transmitir os seus ensinamentos de forma muito variada. Mas o fato é que no decorrer da história moldaram-se determinadas formas definidas segundo as quais o papa e a Santa Sé transmitiam a sua doutrina da fé e dos costumes:
a) Cartas (Epistolae) – seus destinatários podem ser pessoas individuais ou grupos de pessoas.
b) Bulas. A palavra latina bulla significa carimbo, e o verbo bullare – carimbar. As bulas são escritos papais de maior importância, munidas de carimbo, redigidas de forma solene em questões de fé, moralidade, jubileus, criação ou divisão de dioceses, beatificação ou canonização.
c) Breves pontifícios. A palavra latina breve significa breve, curto. Escritos menos solenes que as bulas, mas editadas em questões importantes.
d) Constituições apostólicas – escritos à Igreja toda em questões importantes de estruturas ou de doutrina. A proclamação do dogma da assunção da Santíssima Virgem Maria foi realizada por Pio XII através da constituição apostólica Magnificentissimus Deus, enquanto o documento de Pio IX que dogmatizava a doutrina da Imaculada Conceição foi chamado de “bula” (Ineffabilis Deus). Os documentos mais importantes do Concílio Vaticano II receberam o nome de “Constituições” (sobre a Igreja, a liturgia, a Revelação divina); os menos significativos – de “Decretos” (sobre o apostolado dos leigos, as tarefas pastorais dos bispos na Igreja, o ecumenismo, o serviço e a vida dos sacerdotes, as Igrejas Orentais, os meios de comunicação, a atividade missionária da Igreja, a renovação da vida religiosa); e os considerados menos fundamenais – de “Declarações” (sobre a educação cristã, o relacionamento da Igreja com as religiões não cristãs, a liberdade religiosa).
e) Motu proprio – escrito editado por iniciativa particular do papa (a exprssão latina motu proprio signfica “por iniciativa própria”). Um motu proprio desses foi o decreto de Pio X sobre a música da Igreja.
f) Encíclicas (Litterae encyclicae, Epistolae encyclicae) – cartas circulares aos bispos do mundo inteiro. João Paulo II endereça-as mais amplamente, inclusive ao clero inferior e aos fiéis.
Dos pronunciamentos da Igreja de posição inferior fazem parte as exortações ou estímulos, as alocuções ou discursos, as homilias (o costume das conferências ou catequeses do papa nas quartas-feiras), os discursos pelo rádio (os tradicionais discursos de Natal, de Ano novo) e outros.