Na Tradição Apostólica, do ano 215, de Hipólito de Roma, se menciona um jejum que os cristãos deviam fazer na sexta-feira e no sábado santos como preparação para a Vigília da Páscoa. No final do século III encontramos uma preparação de três semanas para a Páscoa do Senhor; no século IV, passou a ser seis semanas e, além da Páscoa, a Igreja queria preparar a reconciliação dos penitentes que acontecia na quinta-feira santa através de exercícios ascético-penitenciais durante quarenta dias (quadragesima). No século V, a Igreja simbolizava o caminho dos penitentes rumo à reconciliação através da imposição das cinzas na quarta-feira anterior ao primeiro domingo da Quaresma. A Quaresma chegou a ser tão grande que, no século VII a Quaresma chegou a ter quase 70 dias.
Atualmente, a Quaresma começa na Quarta-feira de cinzas e termina na Quinta-feira santa antes da Missa do lava-pés e da instituição da Eucaristia. Tem como objetivo preparar os fiéis para a Páscoa, vértice da existência cristã. A Quaresma também tem como finalidade a realização do catecumenato, isto é, as etapas através das quais os que desejavam o Batismo (audientes) chegavam a ser eleitos (electi) para receber o Batismo e começarem a vida cristã com a graça do Batismo (neófitos). Finalmente, o tempo da Quaresma serve para que nos purifiquemos através da penitência, resquício da antiga “penitência canônica”: os cristãos que tinham cometidos pecados gravíssimos – idolatria, adultério, homicídio – deviam, se queriam ser reintegrados plenamente na comunidade cristã na Quinta-feira santa, entrar na ordem dos penitentes e durante o tempo da Quaresma realizar grandes penitências e práticas piedosas (jejuns, orações, esmolas e outras obras de misericórdia).
O tempo da Quaresma é o momento oportuno para que olhemos mais profundamente para o Mistério da Cruz. Olhar para a Cruz, contemplar esse Mistério é ir ao porquê de tudo aquilo que nós fazemos durante a Quaresma. As orações, os jejuns e esmolas têm sentido porque nos põem em contato com a Cruz do Senhor. Além do mais, nós recebemos do Mistério da Cruz a força para unir-nos à mesma Cruz, ou seja, aquilo que Deus nos pede. Deus pede que rezemos? Ele nos dá a graça da oração. Deus nos pede que façamos penitência? Ele nos dá a graça para realizá-la com verdadeira contrição, isto é, com aquele arrependimento por amor. Deus pede que partilhemos e que não sejamos egoístas? Ele nos dá a graça da generosidade e da esmola. O que está por detrás de tudo isso é a primazia da graça de Deus na nossa vida. Quando dirigimos o nosso olhar contemplativo ao mistério da Cruz do Senhor surge em nós o desejo de fazer aquilo que São Paulo fazia: “o que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24).
Pe. Dr. Françoá Costa