É difícil imaginar que a teologia não se chame “teologia”. O nome corresponde muito bem àquilo que com ele nos acostumamos a assinalar. O protótipo grego teologia, de teos – deus e logos – palavra, fala, ciência, passou sem mudanças (além das alfabéticas) ao latim – theologia, e a seguir às línguas modernas. Os italianos dizem teologia, os espanhóis e portugueses escrevem da mesma forma, embora pronunciem de forma um pouco diferente, os franceses fizeram apenas uma pequena mudança na palavra – théologie, da mesma forma que os ingleses e americanos – theology. Os alemães, tanto católicos como protestantes, difundiram entre si a versão Theologie, embora ultimamente – em razão do extremo cuidado com a purificação da língua de influências estrangeiras – seja cada vez freqüentemente utilizado o nome “ciência da fé” – Glaubenslehre.
Como definição literal aceita-se geralmente a fórmula “ciência sobre Deus”, embora mais estritamente a fusão vocabular grega devesse ser traduzida por “palavra (fala) de deus”, eventualmente “palavra (fala) sobre deus”. A tradução “ciência sobre Deus” trai nitidamente a tendência de se localizar a “palavra (fala) sobre Deus” na família das disciplinas científicas. No entanto, tal tradução se justifica pela convenção lingüística (cf. biologia, zoologia, etc.).
Durante longos séculos o nome “teologia” não pôde entrar na língua dos cristãos que dissertavam a respeito de Deus. Os cristãos mantinham nitidamente em relação a ele uma grande reserva. Preferiam muitos outros nomes adequados, contanto que não fosse “teologia”. É fácil apontar a fonte dessa constante resistência: os emaranhados semânticos pagãos desse nome. Isso é bem ilustrado pelo texto da Politeia, ou A República de Platão (+347 a.C.)
No livro segundo Platão fala pela boca de Sócrates a respeito da educação dos cidadãos de um estado ideal. Ele expressa a opinião de que na formação da juventude exercem uma função muito significativa os grandes mitos contados pelos poetas (os pequenos mitos são relatados às crianças pelas mães). Se os grandes mitos falam de brigas dos deuses, das indecências que eles praticam, das suas iras, invejas e lutas, fatalmente formam a juventude, porque ensinam o mal. Além disso, anunciam uma falsidade objetiva, visto que Deus é bom, apenas bom; nem pode ser de outra forma. E é assim que se deve ensinar. Os ideólogos do estado exemplar chegam à conclusão unânime de que devem fazer alguma coisa para sanar a situação na mitologia. Adeimantos, irmão de Platão, interrompe Sócrates para observar que são justamente eles, os filósofos, que devem sugerir aos poetas quais os modelos que devem ser apresentados “na área da teologia”, isto é, os modelos sempre edificantes da vida dos deuses. Adaimantos utiliza-se aí do nome “teologia”como sinônimo dos grandes mitos gregos. Um pouco antes, Sócrates, ou propriamente Platão, apresenta claramente os exemplos daqueles teólogos: Hesíodo, Homero e “outros poetas”.
Os cristãos não se mostravam interessados também pela “teologia” na concepção de Aristóteles (+322 a.C.), que dividia a filosofia em matemática, física e teologia, identificando esta última com a filosofia primeira, que se ocupa do ser imutável.
No final do século II antes de Cristo Panetios de Rodes e Varrão (+27 a.C.) distinguiam a teologia mítica (sobre os deuses), física (sobre os fenômenos no mundo explicados com a ajuda da influência dos deuses) e civil (sobre a divinização dos imperadores e o seu culto).
Os escritores cristãos não encontravam o nome “teologia” nem no Antigo nem no Novo Testamento. Alguns procuravam purificá-la do seu lastro pagão e introduzi-lo em circulação na língua própria dos cristãos. Clemente de Alexandria (+ c. 211/215) explicava a sabedoria da “teologia” de Homero, Hesíodo e outros sábios gregos utilizando-se da sabedoria dos profetas e acreditava que eles queriam praticar o verdadeiro ensinamento a respeito de Deus. Seguiu o mesmo caminho Orígenes (+254/255), que conhecia o significado grego do nome “teologia”, mas não o rejeitava. Dizia que a verdadeira teologia é a doutrina a respeito de Deus, especialmente a respeito de Cristo Salvador. “Praticar a teologia” significa também “confessar e cultuar a Deus e a Cristo” (intepretação doxológica da teologia).
Eusébio de Cesaréia (+ c. 340) foi o primeiro escritor cristão na história a introduzir o nome “teologia” no título de uma das suas obras: Da teologia eclesiástica (Peri tes eklesiastikes teologias).
S. Atanásio (+373) distinguia a teologia da economia. Entendia por teologia a ciência sobre o Deus único na Trindade de Pessoas, e por economia – sobre o Verbo Encarnado e a obra da redenção. Essa distinção foi aceita pelos Padres gregos desde a segunda metade do século IV. O termo grego oikonomia (de oikos – casa, conjunto residencial e oikomenei – administrar, dirigir a casa ou o conjunto residencial) traduzia bem a idéia do governo de Deus no mundo, que se expressa da forma mais plena na obra da redenção.
Os Padres e escritores latinos demonstravam uma reserva ainda maior diante do nome teologia, que até S. Agostinho não conseguiu penetrar na linguagem eclesiástica. O Doutor de Hipona, embora dele se servisse, não fez desse nome a denominação técnica da teologia cristã. Depois dele Boécio (+524) e S. Gregório Magno (+604), no lugar do nome teologia, que não introduzem em sua linguagem, utilizam-se dos nomes doctrina christiana, sacra Scriptura, sacra eruditio, sacra Pagina ou divina Pagina.
Foi apenas Pedro Abelardo (+1142) quem introduziu o nome “teologia” no título da sua obra teológica: Theologia christiana.Quanto ao conteúdo, ele limita a sua exposião ao Mistério da Santíssima Trindade como principal artigo da fé cristã (como os Padres gregos). Faz uma explanação da doutrina cristã sobretudo com base em S. Agostinho e Boécio (+524); além disso recorre sistematicamente aos pensadores pagãos, especialmente Platão e Cícero. A Revelação é afastada para um plano secundário.
Os grandes escolásticos atêm-se basicamente à terminologia tradicional, a saber: sacra Scriptura, sacra Pagina, etc. S. Tomás de Aquino (+1274) utiliza-se na sua Suma teológica do nome sacra doctrina cerca de oitenta vezes, e apenas três vezes utiliza-se do nome theologia. Algumas vezes utiliza o nome doctrina fidei. Da mesma forma S. Boaventura (+1274) prefere utilizar-se dos nomes sacra Scriptura ou sacra Pagina.Querendo esclarecer aos coirmãos religiosos o que é a teologia, caracteriza a Sagrada Escritura (sacra Scriptura) como se absolutamente não distinguissse uma da outra. Até no Breviloquium, onde recorre a profundíssimas especulações filosófico-teológicas, utiliza-se alternadamente do nome sacra Scriputura e theologia. Muitas vezes escreve: “A Sagrada Escritura ou teologia” (sacra Scriptura sive theologia).
No ocaso da Idade Média os autores utilizam-se cada vez mais do nome teologia.
Atualmente, nome teologia tornou-se quase o nome próprio exclusivo de um amplo setor da ciência que abrange tanto as ciências bíblicas, como a teologia sistemática e prática. No âmbito da língua alemã, especialmente entre os autores católicos, pode-se perceber a substituição consciente do nome teologia com o termo puramente alemão Glaubenslehre.
Em diversos contextos, ao nome “teologia” correspondem quatro designações:
1. Uma determinada área da ciência que se caracteriza por um método e um objeto formal, juntamente com tudo aquilo que se liga diretamente a ela.
2. O objeto do conhecimento teológico:
– aquilo que aprendemos,
– aquilo que ensinamos.
3. O processo do conhecimento teológico:
– investigativo:
= a prática da teologia; as investigações científicas dos teólogos,
= o estudo da teologia,
– não investigativo (a exposição, o ensino, a popularização da teologia).
4. O resultado do conhecimento teológico:
– objetivo (doutrina, sistemas, publicações, instituições, faculdades, institutos, bibliotecas, seções, círculos teológicos…),
– subjetivo (o cabedal do conhecimento teológico, o domínio da oficina e do método teológico; cf. a expressão “ele é um bom teólogo”).