Frei Túlio de Oliveira Freitas, OFM Paróquia Sant'Ana
O Caminho: Jesus
A fé cristã nasce e cresce e dá frutos a partir de uma relação pessoal com Jesus. No Evangelho que ouvimos neste domingo é de se notar a primeiro momento que Jesus se encontrava a caminho com seus discípulos, e nestas circunstâncias lhes dirige algumas perguntas, que constituem por si um modo de o Senhor trabalhar a fé de seus discípulos. Não se trata apenas de um itinerário geográfico, de um lugar em direção a outro, se trata muito de um peregrinar espiritual, uma travessia sim! Como é rica a simbologia do caminho para nossa vida cristã: Ele se fez para nós caminho (cf. Jo 14,6) rumo ao céu. A partir do convite de Jesus para segui-lo, a resposta se dá no caminho. À medida que se convive com Ele, mais se vai conhecendo e se configurando a Jesus, que revela à humanidade a face amorosa do Pai. Com esse modo todo próprio de Jesus formar os seus, se vai superando qualquer distância entre fé e vida. A fé em Jesus se dá na vida concreta, no cotidiano de nossa história, que vai se tornando sagrado à medida que vamos permitindo que Jesus dele participe. Ele aguarda ser envolvido em nossa vida ao modo de encontro pessoal. Do contrário ele permanece apenas uma ideia distante, no nível do que os outros dizem, que pode até ser boa, cheia de palavras bonitas que acariciam os ouvidos, mas não nos toca no íntimo, como Jesus o deseja realmente.
No “hoje” de nossa vida, que é o agora de Deus, seria oportuno nos perguntarmos em que lugar do caminho me encontro com relação a Jesus. É a segunda pergunta que o Mestre coloca aos discípulos, mais importante que a primeira, e mais profunda: “E vós quem dizeis que eu sou?” Estaria eu à margem do caminho de fé, contentando-me com o que ouvi sobre Ele? Basta-me a distância? Mais do que ouvir ou falar sobre Jesus, é preciso falar com Ele em primeiro lugar, para só depois se falar sobre ele com o calor amoroso do coração de um discípulo que o segue pelos caminhos da vida. Na vida eclesial, pastores e ovelhas, por vezes, correm o risco de mais falar sobre Jesus, do que falar com Jesus. Há o perigo, por exemplo, de se celebrar a Santa Missa mais como um “discursar”, um “ouvir” sobre, ou ainda como um ofício apenas a se cumprir, do que como experiência íntima e viva de amor entre o coração de Deus e o do homem, que transforma radicalmente a existência humana. A consequência daquilo é a profissionalização e fragmentação da fé, com horário pra começar e terminar. Aqui a fé se aparta da vida. Pouco a pouco a primeira se torna fria e mecânica e a segunda vazia e encravada no atoleiro do mundo. Uma comunidade é viva e santificada quanto mais seus membros cultivam um encontro pessoal com Jesus, o ungido do Pai.
No Evangelho, embora a fé de Pedro o tenha levado a reconhecer Jesus como o Messias esperado, não demora e ele sofre grave repreensão do Senhor. O Messias professado por Pedro era o que ele havia construído para si e não o que Jesus estava revelando em verdade. Eis um outro grande perigo: a experiência de encontro pessoal com Jesus não pode nos levar a construir um Jesus “nosso”, do “meu” ou do “seu” jeito. O encontro pessoal com o Senhor não deve cair no subjetivismo ou intimismo, um Jesus sob minha medida. Um Jesus que nos deixa confortáveis e não nos provoca a crescer, a seguir o caminho. Geralmente, sofremos a tentação de agir como Pedro. Procuramos um Jesus sem a radicalidade da Cruz, um Jesus que não pede a negação de nós mesmos
para segui-lo, não nos pede a conversão. Assim se constrói um cristianismo light, instantâneo. Um cristianismo assim sinaliza uma sociedade frágil e enferma, para a qual palavras como renúncia, sacrifício, perseverança, vencer-se a si mesmo, obediência, fidelidade, doação de vida e eternidade estão em crescente desuso. Basta-nos a glória aqui e agora. Fazemos do Senhor um Jesus adocicado, “domesticado” no dizer do Papa Francisco (Homilia, 21/04/13), em que a medida humana se coloca acima de Deus e dos seus desígnios. Diante dessa tentação, Pedro é duramente repreendido, para que lhe servisse de ensinamento e aos demais, afinal, Jesus dirige o olhar aos outros discípulos também, e hoje a nós: “Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens” (Mc 8,33).
Compreendemos assim, por que a necessidade de um seguimento pessoal a Cristo, mas que seja vivido e professado na Igreja e como Igreja. A esta Mãe Santa e Católica o Senhor nos confiou, de modo que será ela sempre, que com a divina autoridade e ternura, nos ensinará, pela Palavra de Deus, a reconhecer e acreditar na Verdade, que é Jesus.
Nesse sentido, grande agudeza de espírito tinha o pobrezinho de Assis ao admoestar os seus: “Irmão todos, prestemos atenção ao Bom Pastor que, para salvar suas ovelhas, suportou a paixão da cruz. As ovelhas do Senhor seguiram-no na tribulação e na perseguição, na vergonha e na fome, na enfermidade e na tentação e em outras coisas mais; e a partir disso, receberam do Senhor a vida eterna. Daí, é grande vergonha para nós, servos de Deus, que os santos tenham feito as obras, e nós, proclamando-as, queiramos receber a glória e a honra”.