Chegamos ao fim do mês no qual o Santo Padre convoca a Igreja a rezar pelas vocações e pelos vocacionados, urge o momento de se debruçar sobre a realidade vocacional também nas Igrejas Particulares.
Pode o leitor se perguntar: quem é o vocacionado? Um certo professor, religioso sacerdote alemão de idade avançada, conhecido pelo seu dom de brincar com as palavras e formar neologismos, dizia num retiro aos seminaristas: ser chamado é “ser já amado”.
Deus sempre chama. Desde o início, ainda no Gênesis, Deus sempre se adianta em chamar e entrar em relação com o homem. Adão era procurado por Deus no cair da tarde. Era o Pai Eterno quem vinha caminhar no jardim, na brisa fria do entardecer, e procurava Adão. Esse desejo do Senhor de estar em relação com o homem não cessou, nem pela queda original, nem pelo fratricídio… Mesmo tendo Adão caído no pecado e, Caim matado seu irmão, ainda assim foram visitados por Deus que, na docilidade de seu amor, questionava: “onde estás?” e “onde está o seu irmão?”.
Na realidade neotestamentária, saltando vocações bonitas como dos patriarcas, reis e profetas também eleitos e chamados por Deus no Antigo Testamento, vemos o exemplo de Jesus Cristo. Nosso Redentor, andando entre seus irmãos, formava ao seu redor um grupo de homens e mulheres que eram chamados para uma nobilíssima missão: estar com Ele (cf. Mc 3,13). Dentre esse grupo, que já tinha o privilégio de estar em constante união com Ele, decidiu construir um Colégio ainda mais eminente e com dignidade superior, manifestada no serviço aos irmãos. A este grupo apostolar, confiou o maior número dos dias e ensinamentos de sua vida pública.
Aos apóstolos, constituídos sacerdotes (saccer + donum = dom/presente sagrado), o Senhor decidiu separar dos demais. Separando-os, constituiu lhes, com poder vicário, a graça de serem sucessores de sua obra redentora, continuando sua missão de ensinar, reger e santificar os homens. Eis os primórdios da vida consagrada: do desejo fundante de Jesus, de reunir em torno de si um grupo cuja profissão era o Sagrado, surge a mais bela das vocações: amar e rezar.
Já sabemos que Cristo, nos Apóstolos, constituiu a vida consagrada, mas quais as dimensões desse apostolado? Se, como dissemos, a vontade fundante que rege o início desse ministério vem de Cristo mesmo, era necessário que ele mesmo desse aquele que é o plano de vida daqueles que ao seu lado constitui: “designou doze dentre eles para ficar em sua companhia. Ele os enviaria a pregar, com poder de expulsar demônios.” (Mc 3, 14-15) Daí se pode deduzir duas dimensões do ministério consagrado: a vida contemplativa e aquela apostolar/ativa.
A vida contemplativa encontra sua razão de ser no antigo adágio de que ninguém pode dar aquilo que não tem. O consagrado é chamado a estar com o Senhor como aquele que tem na fonte o abastecimento da graça, da qual depende todo seu apostolado. Sem o constante contato com a mina da graça, donde pode haurir forças para a missão, definha o vocacionado e seca, como uma planta num prolongado estio. A nutrição e a hidratação da vocação dependem, única e exclusivamente, do constante contato com aquele que chama.
Enquanto a dimensão contemplativa é facilmente definida, a dimensão apostolar exige mais daquele que se dispõem a refletir sobre ela. No meio do século, aquele que decide por se consagrar ao Senhor, é chamado a um equilíbrio capital entre o ser e o fazer, para que a vida ativa não se converta em ativismo, que é um mal para a vida consagrada. No apostolado, o consagrado é constantemente chamado a caridade pastoral. Deve, aquele que se consagra, fazer muitas coisas, agir muito, mas nunca se perder e sufocar nas atividades que desempenha.
Num equilíbrio entre o ser Marta e Maria, o vocacionado é chamado a dar tudo de si no servir o Senhor estando com Ele e trabalhando por Ele. Séria é a decisão de buscar tão nevrálgica equidade. E esse equilíbrio nunca será fácil sem a graça de Deus. Aquele que é chamado, seduzido por um Deus que usa de vários anzóis para convencer ao seguimento, recebe do próprio Deus que o vocaciona as graças necessárias para fixar sua vontade naquele chamamento que recebe.
Se se quisesse dar uma definição a realidade vocacional seria, obviamente, uma árdua tarefa. Não obstante, na história da Diocese de Anápolis contamos com o testemunho de um homem realizado na vocação assumida. Lembremos as palavras do saudoso Dom Dilmo, eterno bispo auxiliar de Anápolis, quando perguntado sobre o que é ser padre, num efusivo sorriso, dizia: “É ser feliz!”. De fato, aquele que se sente chamado, abre-se ao discernimento e dá um pleno e definitivo sim à vontade de Deus, não pode encontrar senão uma profunda felicidade e realização.
No crepúsculo do mês vocacional, dentro do ano jubilar ordinário da esperança, podemos dizer com toda a Igreja: vale a pena ser de Deus e ser vocacionado. Se Deus, desde o início dos tempos, não se vence em esforços de chamar o homem, afirmamos com certeza: vale a pena corresponder a esse chamado e às graças que Deus reserva àquele quem chama. A esperança do futuro da Igreja está na correspondência ao Amor que se antecipa em amar, o futuro da Igreja, no fim, está na realização da vocação de cada um daquele que é, hoje, já amado por Deus.
Texto: Marcos Vinícius Santana