Diocese de Anápolis

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Paróquias da Diocese de Anápolis são homenageadas na Comenda das Cavalhadas de Goiás

De propositura conjunta dos deputados Lineu Olímpio e Coronel Adailton, Comenda homenageia homens e mulheres fazedores de cultura e religiosidade no Estado de Goiás.

Na última segunda-feira, 24, no plenário Iris Rezende da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (ALEGO), aconteceu a condecoração de pessoas que “participam ou participaram do circuito das Cavalhadas de Goiás e festividades a elas associadas, tendo contribuído ou que contribuem para a sua permanência, promoção e valorização” (Resolução nº 1784 de 22 de maio de 2023 – ALEGO). A Comenda homenageou 30 pessoas (incluindo in memoriam) e será conferida a cada ano.

Entre as diversas cidades homenageadas, estavam presentes as paróquias históricas de nossa diocese, aquelas onde se preservou a tradição das Cavalhadas, dentro ou fora dos festejos em honra ao Divino Espírito Santo e que estão inseridas no Circuito das Cavalhadas, iniciativa da Secretaria de Cultura do Estado de Goiás para fomentar tal tradição que, além de ser religiosa, incentiva a economia e o desenvolvimento dos municípios goianos.

As Cavalhadas, encenação da batalha entre mouros e cristãos na retomada da península ibérica, após 800 anos de dominação, culminando com a conversão e o batismo dos mouros, são uma tradição rica e centenária. Estão presentes, no território desta diocese, nas cidades de Pirenópolis, Jaraguá, São Francisco de Goiás e Corumbá de Goiás (nesta última, a “corrida” das cavalhadas ocorre no período da festa da Padroeira, no mês de setembro). No campo de batalha, 12 cavaleiros cristão e 12 mouros se enfrentam, tendo a frente um Rei (ou um capitão), em defesa da fé e da reconquista do território, proporcionando aos que assistem um verdadeiro espetáculo que enche o coração e os olhos.

Pe. Edmilson Luiz de Almeida, do clero desta diocese, estava entre os homenageados com a Comenda e foi escolhido como orador em nome dos novos comendadores. Em seu discurso, refletiu sobre a importância da manutenção da cultura e da religiosidade que são características do povo goiano, para que as futuras gerações se desenvolvam em sólido alicerce: “Imortalizar essas manifestações históricas é garantir que a memória de um povo será perpetuada no coração daqueles que ainda virão”, frisou. À PASCOM da diocese o religioso afirmou: “recebi a condecoração com profundo sentimento de Igreja, ciente de que a honra foi prestada à Diocese e à Paróquia que represento. Vi ali uma oportunidade para que Deus fosse glorificado e que as tradições que permeiam a vida de fé nesta Igreja Particular fossem valorizadas, bem como os homens e mulheres que fazem parte dela”.

Dr. José Roberto de Sousa, advogado, historiador, pesquisador e escritor, é cavaleiro das cavalhadas há 42 anos, o que o faz ser o rei mouro das cavalhadas da Paróquia São Francisco de Assis, do município de São Francisco de Goiás, foi um dos homenageados com a Comenda e afirmou que “tal condecoração representa a máxima valorização e reconhecimento de sua importância no aspecto religioso, cultural e turístico de Goiás”, disse ainda que as bases da tradição da Festa de Pentecostes estão lançadas na própria Sagrada Escritura e que se sente orgulhoso em poder participar desta tradição. A iniciativa de criar uma condecoração para as Cavalhadas de Goiás e a Festa do Divino, segundo José Roberto, é colocá-las em projeção máxima. Sousa é ainda membro efetivo da comissão goiana de folclore e diretor da associação do caminho de Cora Coralina, reconhecido como um dos principais pilares de sustentação da cultura popular de Goiás.

In Memorian

O célebre advogado, fazendeiro, museólogo, historiador, ator, comendador, delegado de cultura, membro da Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música, ganhador de vários prêmios meiapontense, Dr. Pompeu Cristóvão de Pina, um dos descendentes da família portuguesa Braz de Pina, que chegou a Pirenópolis em 1780,  foi um dos homenageados in memoriam com a Comenda (faleceu em 10 de dezembro de 2014). Vindos da Península Ibérica, os Braz de Pina trouxeram à cidade de Pirenópolis o gosto pela arte, amor que pode ser observado pelo que a família mantém: museu, teatro, uma escola e banda musicais.

O envolvimento com a arte não se restringe aos prédios e objetos que a família preserva. Pompeu de Pina foi responsável por peças seculares que recontam a história do município, como as obras de Antônio da Costa Nascimento. Pina foi defensor do patrimônio material e imaterial, através das artes visuais, da música, da dança, do casario histórico, das seculares igrejas e das diversas tradições da cidade, com sua contribuição foi possível o tombamento da cidade de Pirenópolis e de suas manifestações culturais. Devoto do Divino Espírito Santo, Pompeu foi Imperador do Divino por duas vezes, a primeira vez aos quatorze anos, em 1948,  a última vez no festejo de 2014, justamente no ano de sua morte.

Segundo a filha de Pompeu de Pina, Séfora de Pina, que o representou no ato da outorga da Comenda, “receber essa homenagem em nome do meu pai foi um momento de uma grande emoção. Sem dúvidas me senti mais próxima dele, eu que busco dar continuidade ao seu trabalho de preservação da cultura. Sei que não faço nem a metade do que ele fazia, mas mesmo assim eu faço, pela consciência de ser continuadora da sua memória.”

Tradição 

O historiador e literato corumbaense, professor Ramir Curado, foi outro condecorado com a Comenda, como reconhecimento ao seu empenho historiográfico de preservação das tradições da Paróquia Nossa Senhora da Penha de França, em Corumbá de Goiás. Uma das contribuições do Professor Curado foi a criação da figura do narrador das Cavalhadas, que insere os assistentes na atmosfera da batalha e o estudo que levou a definição da manifestação das Cavalhadas como folclórica e não estritamente histórica (as cavalhadas ‘encenam’ Carlos Magno lutando contra o sultão Saladino, mas estes viveram em épocas distintas). Citando Dom Manoel Pestana, lembra Curado que “as cavalhadas manifestam uma mentalidade de época, que faz compreender um modo de agir da Igreja”. Ao ser perguntado sobre a honra de ser condecorado com a Comenda, respondeu: “foi uma surpresa para mim, pois nunca pensei que o meu trabalho em prol do retorno, manutenção e contextualização histórica das cavalhadas de Corumbá de Goiás, seria reconhecido e valorizado desse modo.”

Curado, que participa das Cavalhadas desde 1980, lembra que por anos em Corumbá, as Cavalhadas aconteciam apenas quando o Imperador do Divino tinha recursos financeiros ou disposição para organizar o campo para os cavaleiros, fato este que levou ao enfraquecimento das Cavalhadas e sua parada na década de 50 por essas dificuldades. Desde os 20 anos está inserido na organização das Cavalhadas, ao lado do pai, Edmir Curado que era cavaleiro e nunca quis ser Rei, “era o segundo cavaleiro-soldado, ou seja, o quarto da fileira a partir do rei, do embaixador e do primeiro soldado”, frisou Curado.

Em resposta dada a esta reportagem, Curado apresentou fatos históricos que mostram a ligação de sua família, de origem ibérica (e que também descende de Carlos Magno, imperador dos Francos), diretamente atuante nas batalhas de Carlos Magno, durante a tomada das terras das mãos dos mouros. D. Afonso Curado, nobre castelhano parente dos membros da família Curado, de quem descende o entrevistado, entre os quais muitos participaram da Reconquista, estava, por exemplo, na listagem de soldados que lutaram na tomada do reino de Granada, último bastião mouro em terras tomadas dos Cristãos. Para Curado, a cavalhada é também um local onde se resgata e se revive as vivências de seus antepassados. Citando o historiador anapolino Paulo Bertran, sintetizou bem o que são as Cavalhadas: “as cavalhadas goianas são os últimos torneios medievais existente no mundo”.

Ao ser questionado sobre o motivo de as cavalhadas em Corumbá acontecerem na festa da padroeira, respondeu Curado: “[…] quando do retorno das cavalhadas em 1980, o prefeito Samuel Costa Araújo, que iniciou em Corumbá o patrocínio governamental para as cavalhadas, determinou, com o consentimento dos cavaleiros, que ela passasse a ser realizada no mês de setembro, durante a festa de Nossa Senhora da Penha de França, padroeira de Corumbá, desde a década de 1960 a que passara a reunir o maior número de participantes. Antes disso, de 1752 a 1956, as cavalhadas eram realizadas nesta cidade durante a Festa do Divino Espírito Santo, ou seja, no mês de maio ou, no máximo, início de junho, que era, desde o século XVIII, a maior e mais concorrida festa popular de Corumbá até a década de 1950. Porém, desde 2022, as cavalhadas voltaram a fazer parte da Festa de Pentecostes dos corumbaenses, porque nela passaram a ocorrer dois dias de ensaio desse teatro equestre, que voltam a ocorrer no mês de agosto, ou seja, pouco antes da festa na qual ela é apresentada.”

Sobre a relação das Cavalhadas com a devoção a Nossa Senhora da Penha de França, respondeu Curado que “quando Carlos Magno foi até a península Ibérica para dali expulsar os mouros muçulmanos que tinham invadido os reinos cristãos, esse rei acampou numa das elevações dos Pireneus em território espanhol. E, numa gruta dessa penha, entronizou uma imagem de Nossa Senhora, que passou a ser venerada pelos moradores da região. Porém, passados seis séculos desse fato, a devoção à Nossa Senhora naquela penha desapareceu. Ela então apareceu ao frei Simão Vela e lhe pediu para ir em busca de sua imagem. Reencontrada por esse religioso, nesse local foi erguido um santuário. E como esta imagem de Nossa Senhora foi encontrada numa penha e havia sido ali deixada por cavaleiros da França, ali surgiu a devoção a Nossa Senhora da Penha de França.”

O titular da Comenda, Padre Silvestre, foi sem dúvida um dos grandes nomes da fé e da cultura no interior de Goiás. Antes mesmo da criação da Diocese de Anápolis, no então arraial de Nossa Senhora da Penha (que viria a ser a cidade de Jaraguá), lutou pela evangelização em condições desfavoráveis, haja visto que se está falando do contexto da “rota do ouro”, onde a disputa entre bandeirantes e nativos, bem como a chaga da escravização estava presente na sociedade.

No discurso proferido, Pe. Edmilson destacou a notoriedade do nome de Silvestre: “homem influente, amigo pessoal de Dom Pedro I, […] em 15 de setembro de 1823, foi eleito Deputado Constituinte e teve participação ativa defendendo os interesses de Goiás e da Nação. Faleceu aos noventa e um anos no dia 21 de maio de 1864, e foi sepultado na Capela-Mor da Igreja Matriz (de Jaraguá). Padre Silvestre teve grande influência para o desenvolvimento de Jaraguá. Naquela cidade viveu 61 anos e participou das mais diversas lutas e conquistas. Sua casa é hoje, um dos maiores monumentos do Patrimônio Histórico de Jaraguá, construída no século XIX em estilo colonial, possui uma beleza interior ímpar, tendo uma sala de visita com uma decoração no teto maravilhosa. Construída com madeira de lei, inclusive o chão, possui janelas espaçosas e arejadas. Essa construção foi toda restaurada e preservada pelo poder público, após seu tombamento em 2004.”

Segundo o site da SECULT, “[…] O nome do Padre Silvestre Álvares da Silva presente na honraria se deve pelo fato de, há 200 anos, durante a promulgação da primeira Constituição Brasileira, Goiás ter sido representado pelo religioso, que viajou, a cavalo, durante quatro meses, para participar deste fato histórico. Padre Silvestre Álvares da Silva era um poliglota, o que lhe dava condições de receber as comitivas europeias no sertão de Goiás, dando início às tradições locais, como os primeiros festejos das Cavalhadas.”

A Diocese de Anápolis, mesmo na brevidade de sua história desde a ereção canônica, tem a alegria de ter em seu território a presença dessas tradições que são expressão da religiosidade profunda e arraigada do povo simples que a compõem como igreja. Agradecemos aos senhores deputados pelo reconhecimento prestado as nossas tradições e história e, sobretudo, por valorizar os fiéis leigos que se doam pela realização dessas manifestações religioso-culturais em nossa diocese.

Texto: Marcos Vinícius Santana 
Fotos:Acervos pessoais/Alego/Will Rosa
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