Um dos grandes teólogos da liturgia do século XX foi Odo Casel (1886-1948) e um de seus livros mais famosos foi “O mistério do culto cristão”. Para este autor, o Mistério de Cristo é o centro de toda a vida litúrgica. Neste contexto, mistério é uma ação sagrada e cultual na qual se atualiza, por meio de um rito, o mistério da salvação que não é outro senão Cristo e sua obra redentora. Casel observa: “Desde que Cristo deixa de estar visivelmente entre nós, ‘o que era visível em Cristo – como diz Gregório Magno – passou aos mistérios’. A sua pessoa, suas ações salvadoras e o influxo da sua graça encontram-se nos mistérios do culto, como diz Ambrósio: “encontro-te e te sinto vivo nos teus mistérios”. Como atualiza-se esse Mistério?
Jean Corbon (1924-2001), outro famoso teólogo, afirma que a fonte da liturgia é o Pai, mas enquanto a humanidade de Cristo não sai gloriosa do sepulcro não há liturgia, já que a liturgia eterna da qual nós participamos aqui na terra é o próprio Corpo glorificado de Jesus, culto perfeito que o Pai recebe e através do qual santifica os seres humanos e atrai a criação na sua totalidade. Para explicar o “espaço novo da liturgia”, o autor utiliza a imagem do “rio de vida que saía do trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22,1) para elucidar que esse rio flui e reflui. O Pai, fonte da liturgia, fez brotar de si mesmo um rio de salvação através da humanidade do seu Filho. Jesus Cristo, morto e ressuscitado, no seu movimento ascensional fez refluir o rio ao encontro do Pai. O Filho encarnado leva consigo, na sua humanidade gloriosa, toda a criação. Esse refluxo do rio de vida é de uma “correnteza” extraordinariamente forte, sendo ao mesmo tempo portadora da máxima glorificação do Pai e consumadora da salvação dos seres humanos. O Pai, ao contemplar o regresso do Filho, acompanhado de toda a humanidade e de toda a criação, alegra-se e faz jorrar essa alegria – pela ação do Espírito Santo – para toda à humanidade. Isto é, o Pai partilha o Filho no Espírito Santo; o efeito dessa partilha é a liturgia celebrada aqui na terra como participação da liturgia celeste, que é a fontal (Cf. Jean Corbon, A fonte da liturgia, Lisboa: Paulinas, 1999, p. 42).
Nesse sentido, afirma o Concílio Vaticano II: “Na liturgia da terra nós participamos, saboreando-a já, da liturgia celeste, que se celebra na cidade santa de Jerusalém, para a qual nos encaminhamos como peregrinos” (Const. Sacrossanctum Concilium, 8). Com a gloriosa Ressurreição inicia-se o nosso regresso à Casa!
Pe. Dr. Françoá Costa