Amados irmãos e irmãs.
A paz de Cristo a todos vocês!
De início, afirmo que se faz necessário, este ano também, inserir a presente celebração e a nossa reflexão na caminhada de preparação para o grande Jubileu de Ouro da nossa Diocese, em 2016.
Como já é conhecido, o tema deste ano é “Jesus Cristo Filho de Deus e a catequese”. A celebração do Corpus Christi já é parte privilegiada desta preparação.
Quem é Jesus Cristo, em si e para nós?
Ao perguntar sobre a identidade de Jesus Cristo, perguntamos sobre uma das principais verdades da nossa fé. Jesus é Filho Unigênito de Deus, segunda Pessoa da Santíssima Trindade. É eternamente gerado pelo Pai como expressão da plenitude do amor divino; é o Verbo, a expressão da própria identidade divina. O amor do Pai pelo Filho e a resposta amorosa do Filho é o Espírito do amor divino, o Espírito Santo, Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
As Sagradas Escrituras nos dão certeza, pela reveladora iniciativa do próprio Deus, da realidade trinitária na unidade indivisível de Deus Uno e Único. É um mistério e permanece, portanto, como verdade da fé, longe do alcance da compreensão pela razão ou outra categoria humana. Com São Paulo curvamos a nossa razão e a nossa fé diante deste mistério e admitimos: “Agora nós vemos num espelho, confusamente; mas, então, veremos face a face. Agora, conheço apenas em parte, mas, então, conhecerei completamente.” (1Cor 13,12).
A Sagrada Escritura também nos revela que este Amor Trinitário foi derramado sobre o Universo, em forma da criação, e sobre a humanidade, em forma de misericórdia: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3,16).
É por causa de nossa elevação para junto de Deus e pela nossa redenção e libertação da condição de pecadores é que o Amor divino se fez um de nós. Recebeu o nome: Jesus – Deus salva e está entre nós!
A Palavra de Deus proclamada na liturgia de hoje evidencia o Sangue do Filho de Deus derramado em expiação dos nossos pecados.
Na primeira leitura (Ex 24,3-8), Deus faz uma aliança com o seu povo por intermédio de Moisés. Deus se compromete de ser o seu Deus e o povo se compromete de ser fiel aos mandamentos dados: “Faremos tudo o que o Senhor disse e o obedeceremos”. E a aliança é selada com o sangue de novilhos imolados, aspergido sobre o povo: “Este é o sangue da aliança, que o Senhor fez convosco, segundo todas estas palavras”.
Na segunda leitura (Hb 9,11-15), São Paulo faz a profunda teologia do Sangue sacerdotal de Jesus Cristo: “Cristo veio como sumo sacerdote dos bens futuros” (…); “ele entrou no Santuário uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna”, “não com o sangue de bodes e bezerros, mas com o seu próprio sangue”; “pois em virtude do espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha”.
Como o sangue de animais aspergido sobre o povo por Moisés selou a Antiga Aliança, assim o sangue de Jesus, derramado na sua paixão e morte, selou, por toda a eternidade, a Nova e Eterna Aliança, uma Aliança verdadeiramente redentora e santificadora.
O acento que a Palavra de Deus desta Missa põe sobre o valor do Sangue derramado reforça a dimensão sacrifical da Eucaristia, ao lado da ação de graças, fração do pão, banquete fraterno, comunhão, presença e missão. De fato, cada celebração Eucarística é um fluxo constante, ininterrupto do Sangue redentor e vivificador do Filho de Deus, que irriga as veias da Igreja e do mundo inteiro. O poder do Sangue de Jesus dá salvação aos que já se tornaram discípulos seus, mas também atinge e irriga a vida dos que ainda estão na periferia dos benefícios deste sacrifício redentor, único e eterno.
O Papa São João Paulo II, na Carta Apostólica “Fica conosco, Senhor”, dedicada aos diversos aspectos da Eucaristia, diz que a Eucaristia não se limita ao momento da celebração. Cita São Paulo (cf. 1Cor 11,17ss) que insiste com vigor que não é lícita uma celebração eucarística na qual não refulja a caridade testemunhada pela partilha concreta com os mais pobres. Continua o Papa: “Não podemos nos iludir: pelo amor mútuo e, em particular, pela solicitude por quem está necessitado seremos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo (cf. Jo 13,35; Mt 25,31-46). É com base neste critério que será comprovada a autenticidade de nossas celebrações eucarísticas” (MND, 28).
É neste sentido que ouvimos no fim de cada Missa as palavras de despedida: “A alegria do Senhor seja a vossa força” ou “Glorificai o Senhor com a vossa vida”.
É, portanto, caridade eucarística exercer a dimensão profética, infusa em cada cristão pelo Batismo e edificada em cada Eucaristia.
Queremos, então, colher a ocasião que esta celebração nos oferece para tecer algumas considerações a respeito do nosso dia a dia como profetas enviados por Jesus Cristo.
Quero tocar apenas alguns poucos fatores que necessitam da nossa atenção e atuação transformadora.
O Sangue de Jesus, como disse, flui constantemente nas veias do mundo. Ora é o sangue abençoado, ora é o sangue que clama pela justiça ao céu.
1) O sangue abençoado é o sangue dos nossos irmãos na fé martirizados no passado e no presente, especialmente nos países da África Ásia, Oriente Médio. São vítimas dos grupos terroristas de inspiração muçulmana, que falsamente inspirados na religião tornam-se destruidores e semeiam morte entre as populações cristãs. É Cristo que morre neles e eles morrem por Cristo e em Cristo. Eles nos dão o testemunho da fé inquebrantável, que nos edifica e questiona ao mesmo tempo. O sangue deles é fonte das bênçãos para toda a Igreja e para toda a humanidade. Perseguidos e maltratados não se vingam; abençoam e morrem com o nome de Jesus nos lábios. Será que nós, diante do heroísmo dos mártires não somos um tanto acomodados na vivência da nossa fé? É preciso que rezemos pela paz naquelas regiões, que manifestemos a nossa solidariedade pelas orações, mas, também, sabendo levantar a nossa voz para que o drama dos irmãos cristãos não fique encoberto pelo silêncio dos indiferentes.
2) O sangue que clama a Deus é o fenômeno de violência crescente no nosso País e nas nossas cidades. “Da terra está clamando por mim a voz do sangue do teu irmão” (Gn 4, 10), disse Deus após Caim ter matado o seu irmão Abel. Próprio ontem, na véspera do Corpus Christi, a televisão noticiou o aumento muito grande de presos, nos últimos dez anos. Isto traduz o índice do aumento da violência no nosso País. Na cidade de Jaraguá, um menor matou cruelmente a namorada no sétimo mês da gravidez. Em Anápolis, um jovem morreu baleado por assaltantes. Isto é só dos últimos dias. Mas a crônica da violência é a mesma todos os dias. Notícias arrepiantes. Isto, na nossa realidade, que ainda tem o conceito de uma sociedade tranquila, ordeira, religiosa. Crimes hediondos praticados pelas pessoas tidas como calmas e equilibradas.
Há tanta violência no trânsito, efeito de desatenção, de uso de drogas e bebidas alcoólicas, de desrespeito às lei de trânsito, de simples e ao mesmo tempo grave irresponsabilidade. Vidas jovens, famílias inteiras são ceifadas em um instante pela “indústria da morte” do trânsito.
Qual é lugar do cristão diante desta realidade? O que nos diz a nossa consciência diante disso? O infortúnio dos outros nos faz refletir e nos leva a dar um bom exemplo quando estamos na estrada, nas ruas da cidade? Quando nos envolvemos nalgum litígio ou provocação? Alguém pode dizer: mas o que tem a fé com isso? Sou cidadão como todos os outros… Nós não somos cidadãos como todos os outros. Somos cristãos, raça escolhida e isso nos compromete para dar glória a Deus com pensamentos, palavras e obras; com nosso estilo de vida marcado pela verdade do Evangelho. Lembremos o que diz São Tiago: “Que adianta alguém dizer que tem fé, quando não tem as obras? A fé, se não se traduz em ações, por si só está morta.” (Tg 2,14.17). Demos sempre um bom exemplo. Sejamos o fermento na massa para a criação de uma nova cultura de vida e de cidadania.
3) Um mal que provoca à nossa sensibilidade cristã e eucarística é o que se chama “ideologia de gênero”. Palavra estranha, desconhecida. Mas, carregada de consequências que podem ser desastrosas para a sociedade, hoje e no futuro. Nestes dias, os municípios de todo o Brasil estão aprovando os Planos de Educação. Nas diretrizes que vieram do Ministério da Educação está a referência de implantação da “ideologia de gênero” nos programas educacionais nas escolas estaduais e municipais. Mas, o que é a “ideologia do gênero”? É difícil responder com poucas palavras. Trata-se de uma nova cultura proposta para a sociedade, segundo a qual a família, o matrimônio, a maternidade, a diferenciação do sexo masculino e feminino são tidos como instrumentos de opressão. Portanto, é preciso promover uma livre opção sexual, uniões desvinculadas do modelo de família tradicional, composta de homem, mulher e filhos, educar, desde a mais tenra idade, que a identidade sexual não é determinada pela natureza, pela lei biológica, mas é construída pela cultura e educação. Daí, o conceito de livre opção sexual. Temos certeza que as nossas autoridades (Secretaria de Educação, Prefeitura, Câmara Municipal) são pessoas de bem e de princípios sólidos e não aprovarão tal ideologia.
Afirmamos o nosso respeito por cada pessoa, mesmo de opção ou de pensamento diferente do nosso, mas não permitiremos que uma pequena minoria, distanciada da lei de Deus e da natureza, imponha para a sociedade inteira os seus critérios. Não concordamos, porque somos cristãos e porque somos pessoas de bom senso. Uma união desprovida de fecundidade, uma união que por princípio da natureza não gera filhos, jamais pode ser considerada família. Isto contraria o que Deus disse no primeiro livro da Bíblia: “Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: “Sede fecundos e multiplicai-vos” (Gn 1, 27-28). “Por isso deixará o homem o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne” (Gn 2, 24). Contraria também o que prescreve a Nossa Constituição:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
A meu ver, esta formulação constitucional não permite a ampliação do conceito de família a outras formas de uniões com o mesmo nome de família.
Caríssimos irmãs e irmãos, ser cristão de fé autêntica, no mundo de hoje, é ser edificado na verdade. Que esta Eucaristia que celebramos, que o nosso culto ao Sangue de Cristo derramado pela humanidade nos confirme na fé e no compromisso de guardar sempre as palavras do Senhor.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
+ João Wilk, OFMConv.
04/06/2015.