Esclarecimento de algumas questões, apresentadas por um jovem,
acerca do Concílio Vaticano II.
- O Concílio Vaticano II rompeu com a Tradição e o ensinamento de sempre da Igreja?
- Quem segue a Igreja do Concílio Vaticano II não é da linha dos outros Concílios anteriores ao Vaticano II?
- O Vaticano II criou uma “nova” Igreja, então?
- O Concílio Vaticano II foi um Super Concílio que anulou todos os demais e somente a ele devemos obedecer e depositar toda a nossa fé Católica?
- Como se interpreta o Concílio Vaticano II “à luz da Tradição”?
- Quem deve interpretá-lo?
- Respondo brevemente, para depois ampliar as respostas:
- O Concílio Vaticano II não rompeu com a Tradição e com o ensinamento de sempre. Pelo contrário, foi a sua fiel continuação.
- Quando alguém diz que é da “linha” do Concílio Vaticano II, afirma que esta em comunhão com a Igreja de sempre, de todos os concílios, desde o de Jerusalém
até o Vaticano II. - O Cancílio Vaticano II não criou a nova Igreja. É a mesma Igreja de sempre, de Jesus Cristo, guiada pelo Espírito Santo.
- O Concílio Vaticano II foi um concílio ecumênico, ou seja universal, geral, com a participação de todos os bispos do mundo. Neste sentido pode chamá-lo de “super” Concílio, mas a Igreja não adota esta linguagem. A sua importância é designada pelo nome “Sacrossanto Concílio Vaticano II”. Ele está em sintonia com todos os outros Concílios da história e é a continuação deles. É preciso segui-lo, porque é a última palavra da Igreja para nós. A sua doutrina engloba toda a verdade revelada e ensinada até agora. Negar este Concílio significa mutilar a Igreja!
- Existe a Tradição e as tradições. O Concílio Vaticano II guarda a Tradição (inclusive explica o seu significado revelador). Adapta as tradições para o tempo atual. Temos um princípio que diz: “Ecclesia semper renovanda”, que significa: “A Igreja sempre se renova”. As reformas fazem parte da história da Igreja, inclusive nos tempos atuais. O que o Santo Padre decidir, nós acolheremos em espírito de obediência e fidelidade.
- Quem interpreta os textos e o espírito do Concílio é o magistério da Igreja: os Papas e os Bispos, em comunhão. Não um Bispo isoladamente; tanto menos um leigo sozinho!
Estas são as respostas tipo “pergunta-resposta”, para a brevidade.
Como introdução, considerem-se os seguintes textos:
“SENTIR COM A IGREJA, no momento atual, – escreve Dom Boaventura Kloppenburg na introdução à edição brasileira dos Documentos do Vaticano II – significa sentir e sintonizar com o Vaticano II. E para viver e amar este XXI Concílio Ecumênico é necessário conhecê-lo em seus documentos, em sua intenção e em seu espírito”.
O Papa Paulo VI assim escrevia ao Congresso de Teologia pós-Conciliar (21/09/1966), logo depois da conclusão do Concílio: “A tarefa do Concílio Ecumênico não está completamente terminada com a promulgação de seus documentos. Esses, como o ensina a história dos Concílios, representam antes um ponto de partida que um alvo atingido. E preciso ainda que toda a vida da Igreja seja impregnada e renovada pelo vigor e pelo espírito do Concílio, é preciso, que as sementes de vida lançadas pelo Concílio no campo que é a Igreja cheguem á plena maturidade. Ora, tudo isso não poderá chegar a termo antes que o riquíssimo patrimônio legado pelo Concílio à Igreja tenha sido aprofundado cuidadosa e diligentemente pelo povo cristão”.
Por sua vez, o Papa Bento XVI, na sua primeira mensagem aos Cardeais, no fim do Conclave que o elegeu, dizia: “Desejo afirmar com vigor a vontade decidida de prosseguir no compromisso de atuação do Concílio Vaticano II, no seguimento dos meus Predecessores e em fiel continuidade com a bimilenária tradição da Igreja”.
Dizia isto, citando o exemplo do Papa João Paulo II: “Com o Grande Jubileu (a Igreja) foi introduzida no novo milênio levando nas mãos o Evangelho, aplicado ao mundo atual através da autorizada, repetida leitura do Concílio Vaticano II. Justamente o Papa João Paulo II indicou o Concílio como “bússola” com a qual orientar-se no vasto oceano do terceiro milênio (cf. Carta apostólica Novo millennio ineunte , 57-58). Também no seu Testamento espiritual ele anotava: “Estou convencido que ainda será concedido às novas gerações haurir das riquezas que este Concílio do século XX nos concedeu (17.III.2000)”. E concluía o pensamento: “Com o passar dos anos, os Documentos conciliares não perderam atualidade; ao contrário, os seus ensinamentos revelam-se particularmente pertinentes em relação às novas situações da Igreja e da atual sociedade globalizada”.
A Igreja vive, hoje, no ritmo do Concílio Vaticano II, sendo a “Igreja de sempre”. Para muitos, o Concílio Vaticano II é ainda desconhecido. Muitos o aceitaram superficialmente. Outros decidiram rejeitá-lo… Há muito por fazer, para que ele se torne realidade. É preciso conhecer e estudar a fundo todos os documentos conciliares, que possuem uma riqueza insondável!
1. Os Concílios na história da Igreja.
Por Concílio se entende uma assembléia dos bispos. Às vezes o nome é usado aleatoriamente com o nome “sínodo”, do grego “syn-odos” – caminhar juntos.
Conforme a abrangência dos bispos participantes, há concílios universais (chamados ecumênicos), com a participação de todos os bispos da Igreja, concílios provinciais ou nacionais.
O Concílio Vaticano II foi o XXI concílio ecumênico na história da Igreja. A palavra “ecumênico”, neste caso, significa “universal”, a participação de todos os bispos. Não se refere ao que designamos “diálogo ecumênico”. Este será um dos seus elementos.
Os concílios se identificam com o lugar onde foram realizados, p. ex. de Jerusalém, de Éfeso, de Nicéia, de Trento etc. O Vaticano II se chama assim, porque foi o segundo concílio a ser celebrado no Vaticano, em Roma. Concílio de Trento foi celebrado na cidade italiana de Trento.
Para que concílios e sínodos? Há coisas que Jesus instituiu e elas são fundamentais, constituintes. Mas nem tudo Jesus deixou resolvido. Surgem situações novas, diante das quais a Igreja deve decidir. Para isso, Jesus lhe garantiu a assistência do Espírito Santo e deu o poder de decidir (poder das chaves).
De uma certa maneira, como primeiro concílio ecumênico da Igreja é apontado o encontro dos Apóstolos, em Jerusalém, narrado em Atos dos Apóstolos 15, 6-29. Diante da expansão do cristianismo entre os pagãos, por obra de São Paulo, surgiu a controvérsia a respeito do Batismo dos pagãos: deveriam eles primeiro ser circuncisos, para depois serem batizados? Por proposta de São Paulo, todos reuniram-se em Jerusalém, em volta de São Pedro. Depois das motivações expostas, Pedro deu a última palavra: os pagãos para serem batizados, não precisam tornar-se judeus.
Como outro exemplo cito os Concílios de Éfeso, de Calcedônia e de Constantinopla II.
O Concílio de Éfeso (ano 431) teve de defender a unidade de Cristo (uma só pessoa), contra a opinião do Patriarca Nestório, que falava de duas pessoas em Cristo, uma vez que Cristo é Deus e homem. Vinte anos mais tarde, o Concílio de Calcedônia (451) teve de defender a dualidade em Cristo: Sendo Deus e homem, Ele tem uma natureza divina e uma natureza humana, duas naturezas distintas uma da outra, sem mistura entre elas, mas também sem separação (união e distinção). Porém, os monofisitas (que afirmavam a unidade de Cristo de tal modo que pensavam que Cristo tivesse, até mesmo, uma só natureza, a divina) acharam que o Concílio de Calcedônia tivesse traído o Concílio de Éfeso. Mas isto não é verdade. O Concílio de Calcedônia foi fidelíssimo à doutrina do Concílio de Éfeso. Apenas esclareceu um outro aspecto do mistério de Cristo, que os monofisitas – porque se fixaram por demais no aspecto da unidade de Cristo, esclarecido pelo Concílio de Éfeso – não reconheceram e, por isso, rejeitaram a doutrina do Concílio de Calcedônia. Depois de muitas controvérsias, foi necessário mais um Concílio ecumênico, o Concílio II de Constantinopla (ano 553), para dar uma interpretação autêntica da doutrina dos dois Concílios anteriores, esclarecendo como se deviam entender certas formulações ambíguas usadas por São Cirilo de Alexandria, grande protagonista do Concílio de Éfeso. Portanto, podemos dizer que a interpretação autêntica (com autoridade) dá o próprio Magistério da Igreja (o que não precisa ser através de um Concílio).
Igualmente se poderá dar o exemplo de continuidade entre o Concílio Vaticano I e o Concílio Vaticano II, por exemplo, quanto à doutrina sobre o ministério apostólico na Igreja. O Concílio Vaticano I esclareceu (e definiu solenemente) a missão própria do Papa na Igreja universal, particularmente o seu carisma de infalibilidade. Mas o Concílio não pôde mais tratar a missão própria dos Bispos na Igreja, pois o Concílio teve de ser interrompido por razões políticas (e nunca foi reaberto). Assim, o Concílio Vaticano II, em total fidelidade à doutrina do Concílio Vaticano I (inclusive citando este Concílio), completou a doutrina deste Concílio, esclarecendo a missão própria dos Bispos na Igreja, ou seja, a missão do Colégio dos Bispos, que tem o Papa como Cabeça.
Como esclareceu a Congregação para a Doutrina da Fé, falando da doutrina eclesiológica do Concílio Vaticano II, o “Concílio Ecumênico Vaticano II não quis modificar essa doutrina nem se deve afirmar que a tenha mudado; apenas quis desenvolvê-la, aprofundá-la e expô-la com maior fecundidade” (Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja; 29 de junho de 2007).
Portanto, os Concílios estão em continuidade entre si, não em contradição; há novidade dentro da continuidade. Por isso, um Concílio não deve ser interpretado em contraposição a um Concílio anterior ou outros anteriores. Portanto, deve ser interpretado “à luz da Tradição”. Poderá acontecer que, aparentemente, um Concílio (ou um Papa) contradiga a um Concílio anterior (ou a um Papa anterior). Mas é apenas aparência, que se dá quando, eventualmente, se considera apenas o teor das palavras e expressões usadas, porém, em circunstâncias diversas, aplicando-se a situações bem diversas. Este é, por exemplo, o caso da “liberdade religiosa” (Papas do séc. XIX, Concílio Vaticano II), tão atacada ou mal-entendida. O Papa Bento XVI, em seu discurso à Cúria Romana, em 22 de dezembro de 2005, deu uma boa explicação a esse respeito. Em anexo envio-lhe o texto desse discurso. Para facilitar a leitura, sublinhei diversas passagens.
Quanto ao Concílio Vaticano II como “Super Concílio”, é claro que não foi um Concílio que está acima de todos os outros Concílios. Até mesmo, o Concílio Vaticano II não quis proclamar nenhum dogma novo. Mas é o Concílio para o nosso tempo, o último Concílio, cuja recepção ainda não está completamente realizada, e foi, justamente, o Concílio de maior riqueza doutrinal (os textos do Concílio formam um livro inteiro).
2. Contexto histórico e as idéias mestras do Concílio Vaticano II.
Foi convocado pelo Papa João XXIII e conduzido até o fim pelo Papa Paulo VI. Iniciou em 11 de outubro de 1962 e terminou em 08 de dezembro de 1965.
Surgiu como fruto de uma longa preparação, a qual, de um certo modo foi a continuação do Concílio Vaticano I, que, por dificuldades históricas não podia ser concluído na época. A Igreja, no Concílio Vaticano II queria definir a sua doutrina, a sua identidade teológica. Talvez tinha sido providencial, pois permitiu longos anos de reflexão e preparação.
Já desde o século XIX, o Movimento Litúrgico estava postulando a reforma e o aprofundamento da liturgia.
O Papa Pio XII já falava (cf. “Alocução aos participantes do I Congresso Internacional de Pastoral Litúrgica de Assis”, de 22 de setembro de 1956) da necessidade de algumas reformas no campo da liturgia.
Os grandes teólogos do século XX, os santos e os apóstolos do século XX apontavam para as rápidas mudanças no mundo, para as conquistas tecnológicas que postulavam a adaptação das formas de ser da Igreja ao mundo atual.
Não se deve confundir as conclusões do Concílio Vaticano II com os erros do “modernismo”, condenados pelo Papa Pio X, na encíclica “Pascendi”.
Para caracterizar o espírito do Concílio Vaticano II costuma-se recorrer às duas palavras: “aggiornamento” e “retorno às fontes”.
A palavra italiana “aggiornamento” significa atualização, adaptação da imutável verdade revelada da fé à compreensão do homem dos nossos tempos. Significa a expressão do imutável depósito da fé na linguagem acessível do homem moderno. Significa, ainda, uma abertura aos novos desafios que o momento atual traz.
A expressão “retorno às fontes”, significa a redescoberta das riquezas espirituais, doutrinárias e litúrgicas dos primeiros tempos da Igreja.
Dizia o Papa João XXIII no discurso inaugural do Concílio: “Desde Trento até o Vaticano I, o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro, espera um progresso na penetração doutrinal autêntica… Sempre a Igreja se opôs aos erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Nos nossos dias, porém, a Esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade; julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina que condenando erros… A Igreja deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade…”
Dias depois, os Padres Conciliares proclamavam na Mensagem à Humanidade: “Procuraremos apresentar aos homens de nosso tempo, íntegra e pura, a verdade de Deus de tal maneira que eles a possam compreender e a ela espontaneamente assentir. Pois somos Pastores…”
3. O que pretendia ser o Concílio Vaticano II?
Ser um Concílio pastoral – falar da fé com linguagem compreensível e atualizada.
Dizia o Papa João XXIII, no início do Concílio: “O ´punctum saliens’ deste Concílio não é a discussão de um ou outro artigo da doutrina fundamental da Igreja, repetindo e proclamando o ensino dos Padres e dos Teólogos antigos e modernos, pois este supõe-se bem presente e familiar ao nosso espírito. Para isto não haveria necessidade de um Concílio. Mas da renovada, serena e tranqüila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão, como brilha nos Atos Conciliares, desde Trento até ao Vaticano I, o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências, em correspondência mais perfeita com a fidelidade à doutrina autêntica; mas também esta seja estudada e exposta por meio de formas de indagação e formulação literária do pensamento moderno. Uma é a substância da antiga doutrina do depositum fidei e outra é formulação que a reveste: e é disto que se deve – com paciência se necessário – ter grande conta, medindo tudo nas formas e proporções do magistério prevalentemente pastoral… Sempre a Igreja se opôs aos erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Nos nossos dias – porém, a Esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da doutrina que condenando erros… A Igreja çatólica, levantando por meio deste Concílio o facho da verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade com os filhos dela separados”.
Ser um Concílio doutrinário – no modo atualizado de apresentar a sempre válida doutrina da Igreja, o depósito da fé, da revelação, afirmado pelos Concílios anteriores, especialmente pelo Concílio de Trento. O Concílio tinha uma clara intenção doutrinária. Houve importantes aprofundamentos a respeito da identidade da Igreja. O Papa Paulo VI, no início da terceira sessão, em 14 de setembro de 1964, dizia: “Trata-se de completar a doutrina que o Concílio Vaticano I se propunha enunciar, mas que, sendo interrompido por obstáculos exteriores, não pôde definir senão sua primeira parte… Temos de completar a exposição desta doutrina para explicar opensamento de Cristo sobre sua Igreja (…) Um Concílio conscientemente pastoral parte do princípio de que a doutrina nos foi dada para ser vivida, para ser anunciada às almas (e não aos teólogos), para demonstrar sua virtude salvadora na realidade histórica; que é preciso unir a ação da inteligência à da vontade, o pensamento ao trabalho, a verdade à ação, a doutrina ao apostolado, o magistério ao ministério; que é necessário imitar a figura inefável, doce e heróica do Bom Pastor, sua missão de guia, de mestre, de guardião, de salvador; que a ciência da Igreja é enriquecida de poderes e carismas particulares para salvar as almas, isto é: conhecê-las, abeirar-se delas, instruí-las, guiá-las, servi-las, defendê-las, amá-las, santificá-las. Um Concílio conscientemente pastoral procura perceber as relações entre os valores eternos da verdade cristã e sua inserção na realidade dinâmica, hoje extremamente mutável, da vida humana tal qual é, continua e diversamente moldada na história presente, inquieta, conturbada e fecunda; procura perceber o aspecto relativo e experimental do ministério da salvação, cuja eficácia é condicionada pelo estado cultural, moral e social das almas que devem ser salvas; tem medo dos hábitos superados, do cansaço que freia a marcha, das formas incompreensíveis, das distâncias neutralizantes, das ignorâncias presunçosas e inconscientes dos novos fenômenos humanos”.
Ser um Concílio “ecumênico” – no sentido de envolver todos os bispos do mundo e no sentido de favorecer a unidade dos cristãos. Já em 1959 escrevia L´Osservatore Romano: “Pelo que se refere à celebração de um Concílio Ecumênico, este, segundo o pensamento do Santo Padre, não somente tende à edificação do povo cristão, mas também quer ser um convite às Comunidades separadas para a busca da unidade pela qual hoje em dia muitas almas anseiam em todos os pontos da terra”.
4. Quais foram as intenções do Concílio?
Entre outras, procurou evidenciar os valores e as verdades essenciais para a cristandade:
– o papel central da pessoa de Jesus Cristo na História da Salvação,
– o caráter litúrgico e comunitário do culto divino,
– a Igreja como novo Povo de Deus, sentido de fraternidade,
– o diálogo e co-responsabilidade dentro da Igreja,
– a colegialidade dos dirigentes da Igreja,
– a inculturação da fé,
– a renovação das estruturas da Igreja.
Um dos pontos fortes foi a reforma litúrgica, realizada na trilha de “retorno às fontes”, buscando os sentidos mais amplos e mais profundos do significado do mistério celebrado.
5. Reforma Litúrgica promovida pelo Concílio do Vaticano II
A importância da reforma litúrgica explica o Papa Paulo VI no documento da promulgação da reforma: “O Concílio Ecumênico Vaticano II, promulgando a Constituição que se inicia com as palavras “Sacrosanctum Concilium”, lançou os fundamentos da reforma geral do Missal Romano: ele estabeleceu, primeiramente, que os textos e ritos sejam ordenados de modo a exprimirem mais claramente as realidades sagradas que significam; depois, que o Ordinário da Missa seja revisto para manifestar melhor o sentido de cada uma das suas partes e a conexão entre elas, e para facilitar a participação piedosa e ativa dos fiéis; que se prepare para os fieis uma mesa mais abundante da Palavra de Deus, abrindo-lhes largamente os tesouros bíblicos; enfim, que se elabore o novo rito da concelebração a ser inserido no Pontifical e no Missal Romano”.
A liturgia evidenciou mais claramente vários aspectos da Eucaristia, até então pouco perceptíveis, mas destacou o seu caráter sacrifical e a presença real: “A natureza sacrifical da Missa, que o Concílio de Trento solenemente afirmou, em concordância com a universal tradição da Igreja, foi de novo proclamada pelo Concílio Vaticano II” (Instrução Geral sobre o Missal Romano, 2). “Igualmente, o admirável mistério da presença real do Senhor sob as espécies eucarísticas…” (Idem, 3).
O Vaticano II reafirmou os dogmas dos concílios anteriores, mas deu a sua contribuição: “Quando os Padres do Concílio Vaticano II reafirmaram os dogmas do Concílio Tridentino, falaram numa época da história bastante diferente; por isso formularam, em matéria pastoral, desejos e conselhos que há quatro séculos não se podiam prever”.
A preocupação do Vaticano II foi com o valor catequético da Santa Missa: “O Concílio de Trento já reconhecera o grande valor catequético da celebração da Missa, mas não pudera tirar todas as suas conseqüências para a vida prática. Muitos, na verdade, pediam que se permitisse o uso da língua vernácula na celebração do Sacrifício Eucarístico” (Idem, 11).
“Como o uso da língua vernácula na liturgia é apenas um instrumento, (…) o Concílio Vaticano II ordenou que algumas prescrições do Concílio de Trento, ainda não cumpridas em todos os lugares, fossem postas em prática, como a homilia nos domingos e dias de festa, ou a introdução de algumas explicações durante os ritos sagrados” (Idem, 13).
Ainda, como expressão de zelo pastoral, foi introduzida a Comunhão sob duas espécies, preces da comunidade, sinal da paz etc..
O Concílio preocupou-se com as diversas devoções, para simplificar e tornar mais claros os ritos e concentrar a atenção dos fieis sobre os principais mistérios da nossa salvação.
A reforma litúrgica resgatou o valor da participação do Povo de Deus, não apenas de “assistir à Missa”. A centralidade do altar resgata o costume antigo de celebrar a Santa Missa, a participação do povo, a concelebração dos sacerdotes e, principalmente, faz visível a centralidade de Cristo no meio da sua Igreja.
6. Documentos do Concílio Vaticano II
O Concílio produziu ao todo 16 documentos: constituições dogmáticas, decretos e declarações.
Analisando a finalidade anunciada pelo próprio Concílio em seus documentos, verificamos:
1. A Constituição dogmática “Lumen Gentium” (Luz dos povos), sobre a Igreja, tem a intenção de “oferecer a seus fiéis e a todo o mundo um ensinamento mais preciso sobre sua natureza e sua missão universal.” (n. 1).
2. A Constituição dogmática “Dei Verbum” (O Verbo Divino), sobre a Revelação Divina, “se propõe expor a genuína doutrina acerca da Revelação Divina e de sua transmissão” (n. 161).
3. A Constituição pastoral “Gaudium et Spes” (Alegria e Esperança), sobre a Igreja no mundo de hoje, “pretende falar a todos, para esclarecer o mistério do homem e cooperar na descoberta da solução dos principais problemas de nosso tempo” (n. 231).
4. A Constituição “Sacrosanctum Concilium” (Sacrosanto Concílio), sobre a Sagrada Liturgia, quer relembrar os princípios e estatuir as normas práticas para a renovação e o incremento da Liturgia (n. 523).
5. O Decreto “Unitatis Redintegratio” (Restabelecimento da Unidade), sobre o Ecumenismo, “quer propor a todos os católicos os meios, os caminhos e os modos que lhes permitam corresponder a esta divina vocação e graça para a restauração da unidade entre todos os cristãos)” (n. 753).
6. O Decreto “Orientalium Ecclesiarum” (Igrejas Orientais), sobre as Igrejas Orientais Católicas, “resolve estabelecer alguns pontos principais” para que aquelas Igrejas floresçam e realizem com novo vigor apostólico a missão que lhes foi confiada (n. 830).
7. O Decreto “Ad Gentes” (Missão entre os povos), sobre a Atividade Missionária da Igreja, “deseja delinear os princípios da atividade missionária” (n. 864).
8. O Decreto “Christus Dominus” (Cristo Senhor), sobre o Múnus Pastoral dos Bispos na Igreja, “tem a intenção de determinar com maior precisão o múnus pastoral dos Bispos” (n. 1019).
9. O Decreto “Presbyterorum Ordinis” (A Ordem dos Presbíteros), sobre o Ministério e a Vida dos Presbíteros, quer “tratar mais ampla e profundamente dos Presbíteros”; e, “com o intuito de sustentar-lhes com mais eficácia o ministério e de prover-lhes melhor a vida nos ambientes pastorais e humanos tantas vezes inteiramente mudados, declara e estabelece…” (n. 1142).
10. O Decreto “Perfectae Caritatis” (Vida em perfeita caridade), sobre a Atualização dos Religiosos, “propõe-se tratar da vida e da disciplina dos Institutos” (n. 1216) e estabelecer normas” (n. 1218).
11. O Decreto “Optatam Totius” (Dom total), sobre a Formação Sacerdotal, “proclama a suma importância da formação sacerdotal e declara alguns de seus princípios básicos” (n. 1248).
12. O Decreto “Apostolicam Actuositatem” (Atividade Apostólica), sobre o Apostolado dos Leigos, “tem a intenção de ilustrar a natureza do apostolado dos leigos, sua índole e possibilidades, enunciando ainda os princípios fundamentais e transmitindo as instruções pastorais para uma ação mais eficiente” (n. 1333).
13. O Decreto “Inter Mirifica” (Entre as maravilhas), sobre os Meios de Comunicação Social, “julga seu dever de abordar as principais questões conexas com os instrumentos de comunicação social. Confia outrossim que sua doutrina e disciplina assim propostas…” (n. 1462).
14. A Declaração “Gravissimum Educationis” (O dever da educação), sobre a Educação Cristã, quer “emitir alguns princípios fundamentais da educação cristã” (n. 1502).
15. A Declaração “Dignitatis Humanae” (Dignidade humana), sobre a Liberdade Religiosa, “propõe-se declarar quanto [os atuais anelos dos espíritos] são conformes á verdade e à justiça” (n. 1533) e “desenvolver a doutrina dos últimos Sumos Pontífices sobre os direitos invioláveis da pessoa humana e sobre a ordenação jurídica da sociedade” (n. 1535).
16. A Declaração “Nostra Aetate” (Nossa época), sobre as Relações da Igreja com as Religiões não-Cristãs, “no seu dever de promover a unidade e a caridade entre os homens e mesmo entre os povos, considera aqui, sobretudo o que é comum aos homens e os move a viver juntos o seu destino” (n. 1578).
Conclusão
É importante ter o espírito de Igreja! A imutável mensagem da salvação oferecida à humanidade por Jesus Cristo é o principal tesouro da Igreja. É também a sua missão de anunciá-la e torná-la compreensível aos homens e mulheres de todos os tempos. A fé não muda, os tempos mudam. Por isso, a Igreja, na sua peregrinação terrena, é responsável para que em todas as épocas mutáveis a imutável mensagem da fé seja compreendida e acolhida por todos. A “poeira” dos tempos acumula-se e pesa sobre a Igreja. É preciso limpar a poeira, para deixar brilhante a essência da Igreja. “Ecclesia semper renovanda” (Igreja se renova sempre!), dizem os sábios. Hoje também! A renovação é necessária! A renovação da Igreja, acolhida com tanto entusiasmo por aqueles que viviam o Concílio Vaticano II de perto, não pode ser entendida como “mudança por mudança”. Tanto menos pode ser qualificada como “estrago”. É preciso viver o espírito da Igreja, na comunhão e obediência! Sentir com a Igreja! Ser Igreja! É preciso entusiasmar-se de novo por Jesus, que vive e caminha ao lado do povo que tanto ama!
Dom João Wilk, OFMConv.
Bispo Diocesano