A insatisfação de uma sociedade imediatista se mistura com a frustração de um povo ávido por ver mudanças e transformações, quer ver resultados com a rapidez de um click, quer ver o atuar divino como num passe de mágicas, quer ver para sentir, quer ver para acreditar, quer ver para crer. Diante da visão limitada do ser humano, condicionar a nossa visão espiritual à visão física e material é reduzir nossa fé apenas àquilo que vejo e compreendo, é menosprezar a grandiosidade de nosso Deus que ultrapassa as aparências, é dar mais valor às aparências do que à realidade, é tornar-nos cegos para aquilo que verdadeiramente importa. De fato, é um real problema de visão quando julgamos a nossa realidade desde uma perspectiva meramente humana sem levarmos em consideração os desígnios divinos, sem darmos espaço às surpresas de Deus em nossa vida, sem confiar que atrás das aparências existe um Deus providente que tudo governa. Quando enxergamos Deus em tudo encontramos alegria em ver.
O Evangelho deste domingo apresenta essas duas realidades contrapostas: a cegueira física versus a cegueira espiritual. De um lado aquele que foi curado de sua cegueira física e que começa a abrir os olhos da alma para acolher a Jesus. Por outro lado, aqueles fariseus que fisicamente estão ótimos, mas manifestam uma verdadeira cegueira espiritual não dando credito aos sinais que Jesus demonstrava de sua divindade.
A doença da cegueira espiritual se torna uma perigosa enfermidade que assola a tantos cristãos que vivem chorando pelas frustrações e perdas da vida, mas não são capazes de enxergar a providência divina, preferem se desesperar diante das limitações e erros humanos do que confiar no poder de Deus, reduzem os acontecimentos apenas às coisas que enxergam, mas esquecem que existe um mundo bem mais amplo que o mundo material, julgam pelas aparências e não percebem que “Deus não olha para as grandezas humanas, Deus vê o coração” (cf. 1ª leitura). Somente o encontro com Jesus Cristo irá dissipar as trevas da ignorância humana; somente a experiência de Jesus pode desembaçar nossos olhos da alma para reconhecermos sua presença tão eficaz no nosso mundo e na nossa vida; uma experiência que permeia nosso dia a dia e faz esvanecer todo tipo de tristezas e angústias dando espaço à alegria de vermos tudo desde a perspectiva divina, desde os olhos de Deus.
O melhor remédio contra o problema de vista é o contato com o Senhor na oração, é o silêncio da adoração, a humilhação de uma boa confissão, a participação devota e digna da Santa Missa… pouco a pouco vai se limpando nosso olhar de todo o orgulho, da aridez dos egoísmos, das futilidades da vaidade e da morbidez da preguiça, vamos começando a ver nossa vida segundo os projetos de Deus e dessa visão brota a satisfação por viver, o sentido da nossa existência e a alegria de não estarmos sozinhos, de não sermos fruto do acaso, mas sermos alguém pensado desde toda eternidade no coração de Deus. Da presença de Deus brota a alegria de enxergar.
A fé é a certeza de uma realidade que não se vê com os olhos da carne, mas nos dá verdadeira convicção de estarmos no caminho certo. Diante da cegueira espiritual da limitada humanidade, devemos colocar os óculos da fé para consertar nossa visão humana, para divinizar nossos julgamentos, para vermos além das aparências, enxergarmos atrás da humanidade e ver um Deus que nunca nos abandona, mas se faz presente com sua graça por meio dos sacramentos, por meio de sua Igreja.
Pe. Carlito Bernardes
Vigário da Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus.