Diocese de Anápolis

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Diocese de Anápolis

Um Cirineu passou por aqui e fez bem fazendo o bem

A saudosa memória de Dom Dilmo Franco de Campos, bispo titular de Ita e auxiliar da Diocese de Anápolis

 

Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e requisitaram-no, para levar a cruz de Jesus. Mt 27,32

 

Muito se pode dizer do trabalho de um Bispo Diocesano, mas nenhuma figura se assemelha e define sua atuação pastoral como a do pobre Cristo em sua via crucis. O Bispo Diocesano, crucificado muitas vezes no sigilo das atividades que desempenha para não escandalizar o povo simples, caminha rumo ao Gólgota com o madeiro do governo, do ensino e da santificação da igreja particular a qual é chamado a apascentar. Assim, penosamente, mas com a alegria de estar fazendo em tudo a santíssima vontade de Deus, o Bispo marcha em direção ao Gólgota da existência humana que, no limiar da vida, se transforma em confiança firme naquele que chama e capacita.

Ao longo do seu caminho, no governo da Diocese de Anápolis, crucificado na missão e sentindo pesar sobre os ombros o madeiro da fragilidade da saúde, Dom João estendeu a mão ao Santo Padre solicitando um auxílio para carregar a cruz. Sua Santidade, prontamente, encaminhou um certo Simão, chamado Dilmo Franco de Campos, não de Cirene, mas do clero diocesano de Formosa – GO, que, a exemplo do Filho que ansiava salvar o mundo, diante do chamado do Pai, respondeu prontamente: “eis que venho, Senhor, com prazer faço a vossa vontade” (Sl 39,9). Respondendo ao chamado da Igreja, feito monsenhor pela nomeação recebida do sucessor de Pedro, Dom Dilmo foi ordenado Bispo aos 25 de janeiro de 2020, na memória da conversão do Apóstolo.

O valoroso auxílio, indispensável naquele (mas também neste) momento, é apresentado ao povo de Deus dessa Diocese no dia 1º de fevereiro do mesmo ano. Desejava a Igreja de Deus que reside em Anápolis que esse auxílio se estendesse por longos anos, tantos quantos fossem necessários para que Deus fosse louvado e seu povo amparado nesse território. Dom Dilmo, humano e religioso bispo, com seu sorriso tão característico e constante, mesmo quando lhe pesava aos ombros a cruz compartilhada, nunca desanimou da missão. Permaneceu na Diocese de Anápolis por exatos 1.643 dias e, mesmo com sinais visíveis do envelhecimento e do gastar-se pelo Reino dos Céus, manteve-se com o mesmo vigor e a mesma forma gentil de viver o ministério em meio aos leigos e clérigos dessa Diocese.

No que diz respeito a Dom João, seu irmão no episcopado, seu amigo na missão e, porque não dizer assim, seu experiente pai de idade avançada, manteve sempre um relacionamento invejável. Respeitava em tudo a senilidade do titular, mantendo-se, quase como no protocolo da realeza britânica, a dois passos do irmão, sustentando-o e dando-lhe forças no exercício. Sua saudação preferida, para todos com quem se correspondia, era a expressão do que buscou ser no coração dessa igreja particular: Paz Contigo!

No trato com a pastoral ordinária, consumia-se em meio as fatigantes viagens, não negando nunca celebrar e estar com os fiéis da Diocese em tantas celebrações quantas fossem possíveis assistir. Pode-se dizer com alegria que, nos 1.643 dias que esteve como Bispo Auxiliar, mesmo enfrentando os duros anos da pandemia do novo Coronavírus, Dom Dilmo visitou cada uma das 61 paróquias que compõem a Diocese de Anápolis, auxiliando também as duas Capelanias que se encontram nesse território. Conheceu em primeira pessoa as 19 cidades que se enquadram nos limites desta circunscrição eclesiástica.

Mais do que trafegar por limites geográficos, tinha uma notável característica: encontrava-se com pessoas, com os fiéis leigos ou clérigos. Um homem de relações, esteve em contato com os irmãos até no último dia da sua vida, quando celebrou no Seminário sua última Santa Missa e almoçou pela última vez com um irmão no episcopado, selando assim sua jornada de encontros e comunhão. Eis como consumiu-se aquele que escolheu por lema episcopal a verdade mais evangélica: “Congregávit nos in unum Christi amor” (O amor de Cristo nos uniu).

Em seu dies natalis (1º de agosto de 2024 – memória de Santo Afonso Maria de Ligório, bispo e doutor da Igreja), tudo indicava um dia normal como Cireneu. Assistindo Dom João na convalescência de uma pneumonia, internado na unidade de terapia intensiva, Dom Dilmo, após fazer suas orações diárias na capela particular da residência episcopal, partiu nas primeiras horas da manhã para presidir a Santa Missa com os seminaristas, na Capela da casa de retiros Regina Angelórum (Mosteiro da Santa Cruz, em Anápolis-GO). Às 8h15, celebrou a Santa Missa, exortando os seminaristas na homilia a se lembrarem do céu. Fazendo analogia com a vida acadêmica, cravou nos corações dos formandos a figura de que a prova da vida, diferente daquelas realizadas entre as cátedras acadêmicas, não permite recuperação. É uma tentativa, uma apenas, na qual já devemos estar prontos para caminhar para Deus.

Tomou café da manhã com os seminaristas e professores do Institutum Sapientiae, era uma confraternização, afinal, mais um semestre de formação se iniciava naquele dia. Findada a refeição, dada graças a Deus pela providencia do alimento, partiram em direção à nova biblioteca do Instituto, a qual abençoara e inaugurara com esperança de que “a formação dos futuros sacerdotes se torne mais rica, podendo ter acesso aos mesmos conteúdos que lotam as grandes bibliotecas de Roma.”

Às 14h30, a Diocese emudeceu de espanto, unida em súplica de oração, após a noticia de que o jovem e saudável Bispo havia sofrido um ataque cardíaco. A esperança de uma cirurgia de emergência foi anunciada com augúrio de que pudesse sanar tal dano, afinal de contas, ninguém poderia perscrutar os planos e a vontade de Deus. Dom Dilmo, em meio às dores da patologia cardíaca, recebeu a Unção dos Enfermos do reverendíssimo padre Anevair José, seu amigo, que lhe concedeu também a indulgencia plenária.

Minutos depois, vendo agravar as fortes dores que sentia no peito, tomou consciência do que estava acontecendo e, numa pregação eloquente e eficaz, dirigiu-se à vice-chanceler da Cúria que o acompanhava no procedimento com as seguintes, e últimas, palavras: “Vou morrer, irmã, mas sou todo Dele!”. Às 16h35, faltando o sustendo às pernas que mantinham de pé os que aguardavam a noticia do sucesso da cirurgia e antes mesmo que fosse possível iniciar este procedimento, com o nó na garganta e lágrimas aos olhos, foi dado o triste comunicado: o Colégio dos Consultores e o Bispo Diocesano fazem saber que faleceu o jovem Bispo.

Numa aparente ironia do destino, mas na verdade seguindo os desígnios da providência, Dom Dilmo entregava sua alma nas mãos do Pai a poucos quartos de distância daquele onde estava internado Dom João. A caminhada ombro a ombro nos 1.643 dias que passou por aqui terminava com proximidade e comunhão. Unido ao sofrimento e à doença de Dom João, concluiu ali, perto do titular, sua missão de Cireneu.

Sim, a figura mais própria para descrever o ministério episcopal é a do Cristo que carrega a cruz. Dom Dilmo portou a cruz com bravura. Assumiu com sensatez e bom senso pastoral a missão de ajudar o irmão. Mas, assim como o Cireneu devolvera a Cruz a Jesus, precedendo o titular, quis o auxiliar oferecer uma ajuda mais eficaz: caminhou a frente de Dom João, para junto do Pai Eterno. Não bastou a nosso amado Bispo Auxiliar indicar para cada um de nós o caminho dos Céus; com a vida quis preceder-nos para lá, foi primeiro e, de junto do Pai, hoje cuida de Dom João e de toda a Diocese de Anápolis.

“A vida dos justos está nas mãos de Deus, e nenhum tormento os atingirá. Aos olhos dos insensatos parecem ter morrido; sua saída do mundo foi considerada uma desgraça, e sua partida do meio de nós, uma destruição; mas eles estão em paz. Aos olhos dos homens parecem ter sido castigados, mas sua esperança é cheia de imortalidade” Sb 3,1-4.

Texto extraído do Informativo Decolores, nº 282, de agosto de 2024
Autor: Marcos Vinícius Santana
Foto: Arquivo pessoal/Dom Dilmo
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