A rotina das orações, os ritos da Santa Missa, as graças diárias, a constante proteção divina… tantas bênçãos e milagres que as vezes podemos nos acostumar com o sagrado, com a ação de Deus no nosso dia a dia. Nosso espírito pode ir sendo pouco a pouco anestesiado pela mesmice da rotina a tal ponto que já não vibramos mais com o novo de Deus, já não celebramos mais de maneira nova e renovada, mas cada momento de oração se torna uma verdadeira labuta, tão enfadonha e cansativa, como sem graça e tediosa repetição. Acostumar-se com as graças de Deus é fechar-se às surpresas divinas, é não se empolgar com os milagres, é não reconhecer e nem agradecer os constantes privilégios do Senhor no decorrer da nossa história. Acostumar-se com o sagrado pode ser um perigoso defeito que vai minguando a nossa fé, desestimulando a piedade e nos enfraquecendo na caridade.
O ambiente familiar é um lugar de aconchego, de transparência e liberdade, contudo se pode tornar o local propício para se acostumar com a rotina e para se fechar ao novo de cada pessoa. Junto à família, conhecemos nossos entes queridos, delineamos sua personalidade, conservamos nossas experiências, convivemos com as diferenças, contamos os seus erros e até cultivamos nossos traumas… Não foi diferente com Jesus Cristo, a experiência familiar dos trinta anos de vida oculta em Nazaré fez com que os parentes de Jesus se acostumassem com a rotina de um Deus homem: nada de diferente, um trabalhador honrado, uma pessoa de fé, um justo como São José, mas nada além disso. O fato dos parentes de Jesus estranharem seus ensinamentos e os milagres demonstram que eles acostumaram com o humano a tal ponto de se fecharem para o divino; etiquetaram Jesus: “está fora de si”, preferiram considerá-Lo um louco do que se converterem e abraçarem à realidade do novo, se acostumaram com a rotina de Deus entre eles e não foram capazes de reconhecer o tempo da graça. Nesta perspectiva que se entende muito bem o pecado contra o Espírito Santo, parece desconexo, mas complementa o ensinamento: o pecado de “blasfêmia contra o Espírito Santo” não tem perdão, não porque Deus não queira perdoar, mas porque a pessoa não quer ser perdoada; está tão cheia de si mesma, mergulhada na mesmice do dia a dia, acostumada com a graça que não sabe reconhecer a graça. Prefere chamar de loucura que se levantar do comodismo para seguir a Jesus, considera tudo ciência para não chamar de milagre, acha tudo normal e meramente humano, busca mil explicações do destino e vê tudo fruto do acaso, mas não reconhece a providência e a mão divina que tudo governa. O perigo de se acostumar com a presença de Deus entre nós é tornar-nos cegos às maravilhas de Deus, passíveis aos seus desígnios e mórbidos aos seus milagres, não enxergam que “No Senhor está toda graça e redenção” (Salmo 129).
Cada momento de oração, cada celebração eucarística, cada adoração ao Santíssimo Sacramento, cada nascer ou pôr do sol, cada refeição…. cada segundo da nossa vida deve ser vivido com a intensidade sempre nova e renovada. O nosso relacionamento com Deus não pode ser um acúmulo de experiências passadas, a mesmice das horas vencidas, mas deve ser a novidade do nosso presente que ofertamos ao Senhor com o frescor próprio de almas enamoradas, de corações sedentos de Deus, de espíritos vivificados e dinâmicos dispostos e atentos à vontade divina. Somos da família de Deus e o nosso “sim” não é uma resposta do passado, mas uma atitude do presente. As intransigentes palavras de Jesus escondem um sutil elogio à sua mãe; Maria é exemplo de fé e confiança, nunca se acostumou com o sagrado, mas acompanhou seu Filho até a cruz, exemplo de família de Deus que faz a sua vontade: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim a tua vontade”. O Evangelho nos convida a colocá-la como exemplo, para que o nosso relacionamento com o Senhor jamais envelheça, mas alcance sempre o frescor e o vigor próprios de uma verdadeira espiritualidade cristã.
Pe. Carlito Bernardes Oliveira Júnior Paróquia Divino Pai Eterno